O jovem alemão Ingo Bethke não estava satisfeito com a vida que levava na Berlim Oriental de 1975. Aos 21 anos, queria ver o mundo, conhecer outros lugares, outras pessoas, mas não sabia como. Sendo morador da antiga Alemanha Oriental, suas únicas alternativas eram uma viagem às praias iugoslavas, às montanhas polonesas ou a algumas cidades – Praga, Moscou, São Petersburgo. Quisesse Ingo passar uma temporada em Nova York, visitar o Louvre, passear pelas ramblas de Madrid ou conhecer o Vaticano, tinha ele três saídas: esquecer dessas coisas, desdenhar sob a alegação (que ele provavelmente já ouvira) de que não havia nada de interessante no mundo capitalista burguês ou – o mais perigoso – revoltar-se. A primeira alternativa exigia conformismo; a segunda, capacidade de auto-engano. Ingo não tinha nem uma coisa, nem outra. Restou-lhe apenas a revolta.
De fato, só alguém muito, mas muito revoltado – na verdade, totalmente cego pela revolta – poderia ter uma idéia semelhante à de Ingo: atravessar do muro de Berlim. Não se tratava apenas de um muro a saltar. Era, na verdade, um espaço entre dois muros – um do lado ocidental, outro do oriental – chamado de “Terra de Ninguém”, composto por minas terrestres, areia, cães enormes e postos de observação com guardas armados e dispostos a atirar para matar. Pouquíssimos alemães conseguiram passar dali para o outro lado. Ingo sabia disso – havia servido como soldado nos postos de observação do muro. Porém, justamente por isso, sabia que até mesmo aquela engenhosa construção militar germânica tinha lá suas falhas.
Uma delas encontrava-se nas proximidades do Rio Elba, onde apenas uma cerca de arame farpado separava os dois lados e alguns patrulheiros passavam ocasionalmente de barco. Mesmo assim, havia minas terrestres nas regiões costeiras, com potência suficiente para explodir um homem grande como Ingo. Com muita dificuldade, conseguiu abrir a cerca, passar pelo campo minado e chegar até o rio. Para evitar o ataque dos patrulheiros de barco, mergulhou e passou enquanto respirava por um canudo.
Ingo deixou dois irmãos, Holger e Egbert, no seu antigo país. Deixou também um exemplo: era possível, sim, driblar o monstro totalitário que lhes aprisionava a existência.
Holger tentou fazer o mesmo em 31 de março de 1983, só que de maneira diferente. Posicionado num telhado de um prédio um conjunto residencial cortado ao meio pelo muro (quando da construção do muro, os geniais engenheiros comunistas seguiram o traçado do muro à risca e passaram ao meio de conjuntos residenciais já construídos, separando famílias inteiras por questão de metros), combinou com seu irmão, Ingo, que ficasse no telhado do prédio à sua frente, já no lado Ocidental. Com uma espécie de arco mecânico, atirou uma flecha amarrada a um cabo de metal de um lado a outro. Prendendo o fio, Holger atravessou o espaço do muro pelo alto.
Alguns anos depois, Ingo e Holger resolveram também ir pelo alto para ir buscar o irmão mais novo, Egbert, que havia ficado para trás. Só que de outra maneira: pintaram dois ultraleves com a foice e o martelo e, vestidos com uniformes militares, resolveram fazer uma manobra ainda mais ousada. No dia 26 de maio de 1989, os dois levantaram voo no lado Ocidental para apanhar Egbert, escondido atrás de moitas no lado Oriental. A aventura foi toda filmada. Assista o vídeo e conheça os irmãos Bethke e suas aventuras no https://www.youtube.com/watch?v=jfVCijjxLPE
Hoje, os três irmãos vivem na Alemanha unificada. Tivessem esperado alguns meses mais, não precisariam ter arriscado suas vidas com o voo. Tivessem esperado alguns meses mais, não teríamos essa história espetacular de coragem, espírito de combate e luta incessante pelo mais elementar dos direitos que um homem decente pode aspirar.
Outro vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=w152SBIUlT8&ab_channel=MelyssaCasta%C3%B1eda
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