sábado, 2 de março de 2013

Parabolicamará Gilberto Gil


Parabolicamará – Gilberto Gil – Análise de texto
A música Expresso 2222 foi escrita no princípio dos anos 70, quando o máximo que tínhamos, em matéria de computação, eram Cartões Perfurados a mão. O computador era algo só imaginado na ficção científica. PC, nem em sonho. Mas as Comunicações, via Microondas, já corriam soltas desde a chegada do Homem à Lua, o que permitiu, por exemplo, fazermos ligações interurbanas com maior facilidade, munidos de monstruosas antenas Parabólicas das companhias telefônicas.
No final da década de 70, começaram a surgir as antenas parabólicas caseiras. O profético Expresso 2222 ganhava outras formas de análise. Menos apocalípticas do que as originais, mas ligando o Passado ao Presente no cotidiano artístico-racial do Gil. A ideia do Tempo Relativo começou a ganhar a óbvia continuidade do Espaço Relativo na ideia dele, que comparando a infância, vivida em Salvador no meio de atabaques, rituais vários e capoeira, com a sua fase mais adulta de artista, misturou os tempos numa composição chamada Parabolicamará:

Antes mundo era pequeno Porque Terra era grande
Hoje mundo é muito grande Porque Terra é pequena
Do tamanho da antena Parabolicamará
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará
Antes longe era distante
Perto só quando dava
Quando muito ali defronte
E o horizonte acabava
Hoje lá trás dos montes
dendê em casa camará
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará
De jangada leva uma eternidade
De saveiro leva uma encarnação
Pela onda luminosa
Leva o tempo de um raio
Tempo que levava Rosa
Pra aprumar o balaio
Quando sentia
Que o balaio ía escorregar
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará
Esse tempo nunca passa
Não é de ontem nem de hoje
Mora no som da cabaça
Nem tá preso nem foge
No instante que tange o berimbau
Meu camará
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará
De jangada leva uma eternidade
De saveiro leva uma encarnação
De avião o tempo de uma saudade
Esse tempo não tem rédea
Vem nas asas do vento
O momento da tragédia
Chico Ferreira e Bento
Só souberam na hora do destino
Apresentar
Ê volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará

Aqui Gil volta a cuidar do Tempo Relativo já buscando associá-lo às distâncias encurtadas do Espaço Físico, com a parabólica aproximando as distantes regiões da Terra comparada ao Mundo. O pequeno e imaginário Mundo Racional nosso de outrora dava vez ao grande e científico Mundo Inimaginário do agora, o que permitiu à Poesia um maior conforto pelas mãos do poeta, principalmente nas comparações dos tempos pelos instrumentos de navegação percorrendo os seus espaços:
De jangada leva uma eternidade
De saveiro leva uma encarnação
De avião o tempo de uma saudade
Pela onda luminosa
Leva o tempo de um raio
Tempo que levava Rosa
Pra aprumar o balaio
Quando sentia
Que o balaio ía escorregar

A Jangada é a mais rudimentar das embarcações aquáticas, logo, a sua velocidade é menor do que a de um Saveiro, que é um pequena barco, já provido de quilha, leme e vela. Daí a associação com as noções figurativas de tempo: Eternidade e Encarnação, com a primeira contendo todas da segunda. Saindo do mar a coisa fica bem mais rápida, principalmente se estiver no ar. Foi o caso do Avião durar apenas o tempo de uma Saudade, mas a Onda Luminosa, a mais veloz das embarcações, viaja à velocidade da Luz, que apenas suspeitamos ser a de 300 mil quilômetros por segundo. Embora a Ciência tenha oficializado os estudos de Michelson, quanto à velocidade da Luz ser essa, o próprio Einstein discordava, já que supunha viajar o Elétron, responsável pela Luz ao despencar, na forma de Fóton, pelos Níveis Quânticos do átomo, a uma velocidade bem maior, próxima a 540 mil km/s, daí ele ter elaborado o Paradoxo do Tempo com o trem viajando a 240 mil km/s, como base de uma futura tese acerca da velocidade real da Luz, que é que é de origem Quântica, por vir do Fóton. Voltando à Onda Luminosa do Gil, o tempo de um Raio coincide com o do movimento de cintura da Rosa aprumando o Balaio Cadente. Uma fração de segundo. Isso se considerarmos apenas à Luz do raio, pois se tivermos a ideia de comparar com o som resultante, daí a Rosa é muito mais rápida, já que, pela distância, o Som demora milhões de vezes mais para ser escutado. O termo Parabolicamará representa à soma dos significados de antena + Camará, expressão usada nas rodas de capoeira. Por sinal, todo o arranjo da música é voltado para a capoeira, onde se destaca o diálogo do Berimbau com o Contrabaixo, tocado de forma percussiva, além de todo o instrumental acelerar o Andamento Musical de acordo com o veloz avião, por exemplo. Gil continuou trabalhando nesse tema em algumas outras composições. Na próxima ele já começará a falar de PCs adaptados aos sonhos nessa sua particular Estrada Poética do Tempo.

3 comentários:

  1. peguei do site do Gilberto Gil

    "Eu queria fazer uma canção falando dos contrastes entre o rural e o urbano, o artesanal e o industrial, usando um linguajar simples, típico de comunidades rudimentares, e uma cadência de roda de capoeira. Aí, compondo os primeiros versos, quando me ocorreu a palavra 'antena' - seguida de 'parabólica' - para rimar com 'pequena', eu pensei em 'camará' [palavra usada comumente nas cantigas de capoeira como vocativo] para completar a linha e a estrofe. Como 'parabólica camará' dava um cacófato, eu cortei uma sílaba 'ca' e fiz a junção das palavras, criando o vocábulo 'parabolicamará'. Uma verdadeira invenção concretista; uma concreção perfeita em som, sentido e imagem. Nela, como um símbolo, vinham-me reveladas todas as interações de mundos que eu queria fazer. Aí se tornou irrecusável prosseguir e, mais, fazer daquilo um emblema do conceito, não só da canção, mas de todo o disco (Parabolicamará)."
    "Em Parabolicamará pus o tempo existencial, psíquico, em contraposição ao tempo cronológico - a eternidade, a encarnação e a saudade à jangada e ao saveiro - e estes dois ao avião -, para insinuar o encurtamento do tempo-espaço provocado pelo aumento da rapidez dos meios de comunicação física e mental do mundo-tempo moderno e das velocidades transformadoras em que vivemos. Pus também o tempo sub-atômico, da partícula, da subfração de tempo; do átomo de tempo - cuja imagem mais representativa é exatamente a correção equilibradora que a Rosa faz com o balaio. E pus por fim o tempo da morte, o tempo-corte, o tempo que corta, ceifa, o tempo-foice, onde alguma coisa é e de repente foi-se, lembrando - na citação dos caymmianos Chico, Ferreira e Bento - a morte do meu filho: a situação, segundo se imagina, de ele meio sonolento no volante do carro sendo subitamente assaltado pelo evento acidental que o levaria à morte."

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